sábado, 11 de julho de 2015

DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

A divergência entre a vontade (elemento interno) e a declaração (elemento externo) pode ser intencional ou não intencional.

Formas de divergência intencional (há uma intenção)

Simulação (artº 240º)
O declarante emite uma declaração não coincidente com a vontade real, conluio com o outro declarante com o intuito de enganar terceiros (credores).
Os elementos que integram o conceito de simulação são a intencionalidade de divergência, o acordo ou conluio e o intuito de enganar.
É o caso da venda fantástica que é uma venda de património para fugir aos credores. O negócio simulado é nulo. Os próprios simuladores podem arguir a anulação.
Como todas as nulidades, a invalidade dos negócios pode ser arguido em todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente (artº 286º) por via da acção pondo a acção em tribunal ou por via da excepção para defesa dos particulares.
Tem legitimidade para arguir a nulidade da simulação os próprios simuladores bem como os herdeiros legitimários (artº 242º), bem como qualquer interessado (artº 286º), os preferentes e a fazenda nacional.
A legitimidade dos simuladores arguírem a nulidade da simulação está restringida pelo facto de apenas ser admissível a prova documental e à confissão, uma vez que a prova testemunhal não é admissível (artº 394º nº 2).
A lei protege os terceiros de boa fé, não podendo a nulidade ser arguida pelo simulador contra terceiros de boa fé (artº 243º nº1).

Reserva mental (artº 244º)
Quando existe divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade sem qualquer conluio com o declaratário com o intuito de enganar o declaratário.
Ex: A declara a B fazer-lhe uma doação ou um empréstimo, sem que na realidade tenha essa intenção, pois pretende apenas dissuadir B de cometer o suicídio em virtude da sua situação económica.
A reserva mental não possui, em princípio, efeitos jurídicos, ou seja, o negócio em princípio não é nulo. Só será nulo se o declaratário sabia que a declaração foi feita com reserva mental.
Ex: Um indivíduo está numa janela para se matar.
O bombeiro diz-lhe que lhe dá 5000 € para ele não se matar.
O indivíduo não tem conhecimento que é declaração sob reserva mental.
Então o bombeiro tem que pagar?
Isso levaria a um resultado perfeitamente injusto pelo que se poderá recorrer ao artº 334º (abuso de direito) para não condenar o bombeiro.

Declaração não séria (artº 245º)
O declarante emite uma declaração sem intenção de enganar qualquer pessoa. O autor está convencido que o declaratário se apercebe do carácter não sério da declaração.
Pode ser para fins didácticos, publicitárias, declarações jocosas ou cómicas, etc.
A declaração não séria só é válida se o homem comum não se deixar enganar por ela.
No entanto poderá dar lugar a indemnização no caso em que um cidadão normal acreditaria nessa declaração (artº 227º)
Ex: Um indivíduo ouve no rádio que o primeiro que lá chegar ganha um prémio.
Então ele desloca-se lá e dizem-lhe que não era uma brincadeira (declaração não séria). Um homem vulgar acreditaria nisto logo o indivíduo teria direito a uma indemnização nos termos do artº 227º.

Formas de divergência não intencional

Erro-obstáculo na declaração (artº 247º)
O declarante emite a declaração divergente da vontade real, sem ter consciência dessa falta de coincidência, por descuido, por lapso, por lapsus linguae, por engano ou por negligência.
Ex: Um indivíduo queria comprar o prédio nº 20, mas, por lapso lingué, comprou o prédio nº 30.
O negócio jurídico é anulável se o declaratário conhecia a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro.
Ex: A quer comprar a casa verde (era essencial que fosse a casa verde), mas comprou a casa amarela por lapso.
B, o vendedor, sabe que A quer a verde e que é essencial para ele comprar a casa verde. Logo o negócio é anulável.
No entanto o negócio não é anulável se o declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria (artº 248º).
O erro de cálculo ou de escrita (artº 249º) tem de resultar do documento em si, tem de resultar ou das circunstâncias ou do documento.
O negócio deverá ser anulado se o declaratário compreendeu o terceiro sentido da declaração.
Ex: A compra um prédio a B no qual será pago em francos.
A está convencido que é em francos franceses enquanto que B está convencido que se trata de francos belgas, mas na escritura estão francos suíços.
Não há uma declaração de vontade comum, logo o negócio é anulável.
Poderá haver também anulação do negócio no caso de erro na transmissão da declaração (artº 250º).
Ex: A quer comprar um quadro a C e pede a B para passar lá para lhe pedir para guardar o quadro (transmissão de declaração).
B engana-se e diz a C que A quer o quadro x quando queria o quadro y.
Se o erro é um erro vulgar (se percebeu mal) segue o regime do artº 247º, ou seja, se C souber que A quer o quadro y, ou seja, se conhecia a essencialidade então o negócio é anulável.
Se B quiser prejudicar A e intencionalmente diz a que A quer o quadro x para prejudicar A. Neste caso o negócio é anulável sem mais, ou seja, não é preciso provar que era essencial ou não.

Falta de consciência da declaração (artº 246º)
O declarante emite uma declaração sem sequer ter a consciência de fazer uma declaração negocial.
A falta de consciência na declaração não produz nenhum efeito, mas poderá ter que indemnizar.
Ex: Se um determinado administrador de uma empresa estiver a conversar a assinar documentos a pensar que está a assinar cartões de boas festas, mas no fundo está a assinar um contrato de compra e venda de computadores.
Não produz efeitos mas se houver culpa é obrigado a indemnizar o interesse contratual negativo (artº 227º)

Coação física ou violência absoluta (artº 246º)
O declarante emite uma declaração de vontade contra a sua vontade, sem intenção, por força do emprego da força física.
O declarante é obrigado a dizer ou a escrever aquilo que não quer por força do emprego da força física.
Ex: Alguém agarrando a mão de outrem o fazer desenhar a sua assinatura num documento.
A coação física não produz nenhum efeito, mas poderá ter que indemnizar.

TEORIAS QUE VISAM RESOLVER O PROBLEMA DA DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE E A DECLARAÇÃO

Teoria da Vontade
Se a declaração não corresponde à vontade o negócio é inválido.
Predomínio da vontade desde que se prove que o que foi declarado não foi aquilo que é querido.

Teoria da culpa “in contrahendo”
O negócio é inválido se a declaração não corresponde à vontade, mas existe a obrigação de indemnizar pelos danos causados se houver culpa (artº 227º).

Teoria da responsabilidade
Se o declarante actuou com culpa ou dolo e estando o declaratário de boa fé, o negócio é válido.

Teorias da declaração

  • Teoria da Confiança: O negócio só será inválido se o declaratário conhecia ou devia conhecer a divergência da declaração do declarante.
  • Teoria da aparência eficaz: O negócio será válido se o declaratário confiou em que o negócio se realizaria.

Dá relevo fundamental à declaração, ou seja, ao que foi exteriormente manifestado. Comporta 2 teorias:

MODALIDADES DA SIMULAÇÃO

Simulação inocente e simulação fraudulenta
A simulação inocente é feita só para enganar, não existe prejuízo para ninguém.
Ex: doações simuladas com o fim de ostentação.
A simulação fraudulenta é feita para enganar e dessa simulação existe prejuízo para terceiros. Ex: Venda fantástica, venda aparente, venda de imóveis simulando o preço, etc…

Simulação absoluta e simulação relativa
Na simulação absoluta as partes fingem celebrar o negócio e na realidade não querem celebrar nenhum negócio. Há apenas o negócio simulada, não existe nada de verdadeiro, não há nenhum negócio real.
Na simulação relativa por detrás do negócio simulado existe um negócio real.
Ex: Artº 2196º
Não é possível doar a favor de pessoa com quem o casado cometeu adultério.
Existem 2 negócios: um negócio real (doação) e um negócio simulado (venda).
Assim o homem casado simulou a venda a favor da amante. O negócio simulado é nulo.

MODALIDADES DA SIMULAÇÃO RELATIVA
Simulação subjectiva ou dos sujeitos
Pode ser por interposição fictícia de pessoas, simulando um dos sujeitos.
Ex: A quer doar a B, mas a lei impede então A doa a C (“homem de palha”) para este doar a B o que a lei permite.
Pode ser por supressão de um sujeito real.
Ex: A vende a B que vende a C. Só a venda de B a C é que é declarada. É um acordo simulado para enganar o fisco (sisa).
Simulação objectiva ou sobre o conteúdo do negócio.
Pode ser por simulação sobre a natureza do negócio
Ex: Simula-se uma venda para fazer uma doação.
Pode ser por simulação de valor.
Ex: declaram um valor inferior ou superior por exemplo para não pagar sisa, ou declara-se 1 valor de empréstimo superior para que esteja contemplado os juros.

EFEITOS DA SIMULAÇÃO
Na simulação relativa é aplicado ao negócio o regime que teria se o negócio fosse realmente verdadeiro (artº 241º nº 1)
O negócio simulado é sempre nulo. O negócio dissimulado poderá ser plenamente válido ou inválido consoante as consequências que teriam lugar se tivesse sido abertamente concluído.
Se o negócio for formal, mesmo respeitando a forma, se a declaração não corresponde com a verdade o negócio é nulo (artº 241 nº 2).
Há um negócio válido se as partes fizerem constar as declarações que integram o seu núcleo essencial de uma contradeclaração com os requisitos formais exigidos para esse negócio.
A contradeclaração é um documento que os simuladores fazem com a intenção de salvaguarda dos simuladores.
O negócio simulado é nulo por simulação, o negócio dissimulado é nulo por vício de forma.