sexta-feira, 10 de julho de 2015

VÍCIOS DA VONTADE

Os vícios da vontade são erros na formação da vontade enquanto que a divergência entre a vontade e a declaração é um erro na formulação da vontade.
Declara-se aquilo que se quer mas a vontade não se forma de uma maneira normal, sã.
Ex: A quer comprar uma moeda de ouro a B.
B engana-o e diz-lhe que é de ouro mas é de cobre.
A compra a moeda e é essa a sua vontade, não há qualquer divergência entre a declaração e a vontade, mas a vontade está viciada, foi formada de uma maneira anormal.

Usura
A usura não é um vício da vontade mas está enquadrada nesta parte da matéria, uma vez que há uma deficiência na formação da vontade. Existe sempre que alguém, aproveita uma situação de inexperiência, de fraqueza, de dependência para obter ganhos excessivos.
Tem que ter 2 requisitos:
- Haver um lucro excessivo (requisito objectivo);
- Haver da outra parte um sinal de inexperiência, fraqueza, dependência e o aproveitamento dessa situação (requisito subjectivo).
O negócio realizado com usura é anulável (artº 282º).
Vícios rebiditórios
Também não é um vício da vontade mas há igualmente uma deficiência na formação da vontade.
Ex: Animais defeituosos (artº 920º)
Alguém compra um cavalo que aparentemente estaria em óptimo estado mas tinha levado uma injecção para não mancar.
Quando chegado a casa do comprador o efeito da injecção passou e o cavalo passou a mancar.

São vícios da vontade

Dolo (artº 253º)
O dolo poderá ser através de artifícios, sugestões, silêncio, ou seja, através de uma atitude positiva ou negativa, com a intenção de enganar.
O dolo pode assumir várias modalidades:
→ Dolo positivo e dolo negativo:
O dolo positivo leva a intenção de enganar através de uma atitude positiva.
O dolo negativo acontece no caso de silêncio quando sabe e tem o dever de informar.
→ Dolo bónus e dolo malus:
As sugestões ou artifícios usuais considerados legítimos constituem dolo bónus. Só é relevante para efeitos de anulabilidade o dolo malus.
→ Dolo inocente e dolo fraudulento:
No dolo inocente há um mero intuito enganatório enquanto que o dolo fraudulento há uma intenção de enganar com a consciência de causar prejuízo.
Dolo essencial e dolo incidental:
O dolo essencial é aquele sem o qual o negócio jurídico não se teria feito, dá origem à anulação do negócio.
O dolo incidental é aquele que influi nos termos do negócio.
Anulação do negócio em caso de dolo:
Só o dolo ilícito (dolo malus) implica a anulação do negócio.
Há 3 requisitos para dar origem à anulação do negócio:
- Tem que ser dolo malus;
- Tem que haver intenção de enganar ou consciência de enganar;
- Tem que ser essencial, embora o dolo incidental também possa dar lugar à anulação do negócio.
Efeitos do dolo:
O dolo bilateral também poderá ser invocado como fundamento de anulação (artº 254º nº 1).
No dolo proveniente de terceiro, o negócio só é anulável se o destinatário tinha ou deveria ter conhecimento dele e se o terceiro tiver com isso um lucro e na parte em que ele beneficia.
Consequências da anulação:
Nos casos do dolo o negócio é anulável mas a pessoa que foi enganada tem o direito de ser indemnizada com base no interesse contratual negativo pelo dano sofrido (artº 227º).

Erro vício
Traduz-se numa representação inexacta de circunstâncias determinantes e decisivas para a realização do negócio jurídico.
Ex: A compra um terreno a pensar que se lá se pode construir mas na realidade não se pode
Se estivesse esclarecido dessa circunstância não teria realizado o negócio.
A pressuposição é uma figura muito próxima do erro vício, a diferença é que o erro vício diz respeito a circunstâncias presentes ou passadas enquanto que a pressuposição diz respeito a circunstâncias futuras.
→ Modalidades do erro vício:
Erro sobre a pessoa do declaratário (artº 251º):
É o erro sobre a outra parte interveniente no negócio.
Ex: António quer dar um anel à Maria porque está convencido de que é filho da antiga namorada dele.
Erro sobre o objecto do negócio (artº 251º):
Ex: A compra um terreno a pensar que tem água mas não tem. O objecto é o terreno, é um erro sobre o objecto.
Erro sobre os motivos (artº 252º):
É uma noção residual, ou seja, é por exclusão de partes. Se não cabe nos outros erros é erro sobre os motivos.
→ Consequências do erro vício:
As partes podem estipular que o erro é irrelevante.
As partes podem estipular por acordo a nulidade do negócio
Ex: A compra a B um terreno porque está convencido que tem água.
A e B estipulam que quer o terreno tenha água quer não está excluída a anulação do negócio.
Para que o erro vício possa anular o negócio é necessário que hajam duas condições gerais:
- Essencialidade, ou seja, determinante para fazer o negócio, sem ele o negócio não se teria feito, ou pelo menos naqueles moldes.
Ex: Nunca o homem tinha comprado o terreno se soubesse que não tinha água.
- Propriedade, ou seja, o erro tem de ser próprio, tem que incidir sobre uma circunstância que não seja a verificação de qualquer elemento de validade do negócio.
Ex: A compra um terreno e pensa que não é necessário escritura pública.
Para que, em concreto, o negócio seja anulado tem que se ter em conta a espécie de vício.
Se o vício incidir sobre a pessoa do declaratário ou o objecto do negócio é anulável nos termos do artº 247º (erro na declaração, ou seja, quando o declaratário conhecesse a essencialidade).
Ex: A compra a B um terreno convencido que tinha água.
O negócio só pode ser anulado se houver essencialidade, ou seja, era essencial para ele que o terreno tivesse água, se soubesse que não tinha não teria feito o negócio e para além disso é necessário que o declaratário conhecesse essa essencialidade.
Se o vício incidir sobre o motivo, em princípio o negócio não poderá ser anulado, será válido.
Ex: Funcionário judicial alugou uma casa a pensar que ia lá ser colocado, mas afinal não foi. O negócio será válido a não ser que haja uma contradeclaração ou uma ressalva em que as partes convencionem para que no caso do funcionário não ser lá colocado o negócio possa ser anulado.
Em regra o negócio é válido mas há uma excepção no caso da base negocial, ou seja, quando o erro incidir sobre a base negocial em que as partes tivessem previsto o acontecimento e estando ambas de boa fé concordariam em que o negócio ficaria sem efeito.
Se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial haverá lugar à anulabilidade (alterações das circunstâncias – artºs 437º a 439º).
Erro vício Vício incidental

Coação moral (Artº 255º):
Sempre que há receio de um mal que o declarante foi ilicitamente ameaçado para dele obter a declaração negocial.
Ex: ou você me assina o contrato ou dou-lhe um tiro
É diferente da coação física ou absoluta porque na coação mora a pessoa tem liberdade de escolha, embora sofra as consequências, logo é uma coação relativa.
A coação pode ser dirigida à pessoa (Ex: ou assinas o contrato ou dou-te um tiro), pode ser dirigido à honra, ou dirigido a terceiro (Ex: ou assinas ou dou um tiro à tua mulher).
A coação pode ser feita pelo declaratário ou pelo terceiro.
A consequência da coação é a anulabilidade
Para além da anulação também poderá haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que não teria tido, ou seja, interesse contratual negativo (artº 227º)
Para que haja coação é necessário:
- Tem que ser essencial, ou seja, tem de se provar que o negócio não seria feito se a coação tivesse sido feita;
- A ameaça tem de ser ilícita, isto é, tem que ser a ameaça de alguma coisa que não seja a ameaça de alguma coisa que seja permitido.
Ex: Ou me paga ou ponho uma acção em tribunal (não é coação porque a ameaça é lícita);
- A ameaça também pode ser feita pelo meio empregue.
Ex: A deve 5000 a B
B diz a A que se não lhe pagar 7000 lhe põe uma acção em tribunal.
A acção em tribunal é lícita (meio) mas o fim que ele pretende é ilícito logo há ameaça ilegal;
- Para que a ameaça seja considerada coação moral tem que haver sempre receio;
- É necessário que a ameaça tenha por fim extorquir a declaração
Ex: O inquilino diz ao senhorio que ou lhe baixa a renda ou o mata.
O senhorio decide vender a casa a outro.
Mais tarde arrepende-se e pede uma acção de anulação por coação moral.
Não há aqui coação moral porque a ameaça não tinha intenção de obter essa declaração mas sim a baixa da renda.
Na ameaça feita por terceiro a lei faz um acréscimo, ou seja, a ameaça tem de ter uma gravidade maior (artº 256º).

Estado de necessidade
Por vezes confunde-se com a coação moral.
O mal não é praticado para cometer o fim.
Só há coação moral quando o comportamento humano se destina a obter a declaração negocial, se não for para obter a declaração é estado de necessidade.
O professor Mota Pinto defende que o estado de necessidade dá origem à nulidade. O negócio será nulo quando o contraente por força de disposição legal ou por contrato estava obrigado a praticar o acto ou o negócio é ofensivo dos bons costumes (artº 280º).
Ex: Há um incêndio em que um homem está no 5º andar.
Bombeiro diz-lhe que só lhe dá a escada se lhe der 5000€
Ele diz que sim.
Essa declaração é nula porque o bombeiro estava obrigado a praticar o acto e é ofensivo dos bons costumes.
O estado de necessidade tem que ter uma grande relevância e tem que estar perante um perigo e perante isso faça um negócio jurídico, e é necessário também que a outra pessoa obtenha benefícios excessivos (requisitos da usura).

Incapacidade acidental (artº 257º)
É uma situação transitória.
Ex: álcool, estupefacientes…
É um vício da vontade porque a pessoa que está acidentalmente incapacitada não está em condições de celebrar um negócio no estado normal, a sua vontade não foi formada de uma maneira sã.
A sanção para a incapacidade acidental é a anulabilidade desde que cumpram os requisitos previstos no artº 257º.